19 de jun. de 2013

OPINIÃO: Por que 20 centavos não compram o silêncio de uma nação?

A imagem mais emblemática da semana: a sombra gigante dos manifestantes projetada sobre as cúpulas de Oscar Niemeyer, em Brasília

A Semana de Moda de Londres está rolando do outro lado do Atlântico, mas não tinha como ignorar o que vem acontecendo esta semana no Brasil, ou melhor, o que vem ocorrendo desde semana passada. Essas dezenas de manifestações — todo mundo está careca de saber — não têm nada a ver com 20 centavos no aumento da passagem de ônibus. Não, peraí! Pensando bem, elas têm tudo a ver, sim.

O brasileiro vem ouvindo há algum tempo coisas maravilhosas das autoridades. Lula, Dilma e companhia estão tapando o sol com a peneira há quase três mandatos dizendo que erradicaram a miséria, que o Brasil nunca cresceu tanto, que a inflação foi controlada, que pela 1ª vez sediaremos Copa e Olimpíadas e todo esse blablablá.

Contudo, se pensarmos direito, a miséria foi trocada pela pobreza e pela acomodação de uma fatia imensa da população, que permanece refém de programas sociais, como Bolsa Família, uma vez que essa franja da sociedade não tem instrução ou capacitação necessária para arranjar algo melhor (e nem é incentivada para isso). Vide a comoção geral na época dos boatos de que o auxílio seria suspenso.

A inflação, segundo os dados “oficiais”, está controlada. Ok, se compararmos com a década de 80 e a mudança quase anual da moeda, ela está muito mais moderada, porém o que dá pra comprar com esse salário mínimo miserável, que fica cada vez mais mínimo, perante o aumento desenfreado dos preços no comércio e nos serviços? Concordo que existe também muita ganância por parte de alguns empresários, pois eles sabem que brasileiro reclama, mas compra. Lazer, então, nem pensar (e digo lazer de qualidade, porque lixo de graça tem aos montes). Como diz a música, “a gente não quer só comida”!

Depois do pão, vem o circo: Copa e Olimpíadas no Brasil! Quando isso foi anunciado, 90% da população estava em festa, afinal de contas o brasileiro tem fama mundial de festeiro; é só colocar uma música agitada que todo mundo sai em blocos pra comemorar qualquer coisa.

No entanto, passado o êxtase da notícia, todo mundo começou a se preocupar: se um país que não consegue dar infraestrutura básica para seu povo, terá ele capacidade de abrigar dois eventos desse porte? Bom, Lula, Dilma e companhia falaram que não pegariam um centavo de dinheiro público para colocar nisso tudo, que seriam exclusivamente investimentos privados. Todo mundo sabe, porém, que isso não foi cumprido. Fala-se em quase R$ 10 bilhões dos cofres públicos depositados nas obras dos estádios (e ninguém verá esse valor sendo devolvido, exceto em discursos eleitoreiros). Uma afronta às pessoas que dormem no chão de hospitais, crianças que se deslocam a pé por quilômetros para estudar, trabalhadores que disputam a tapa um espaço de, sei lá, 30 centímetros quadrados num metrô. Tomemos a África do Sul como exemplo: todas aquelas obras para a Copa de lá estão virando sucata porque não existe dinheiro para manutenção... imagina então pra reverter em qualidade de vida a seus cidadãos!

Se tem dinheiro pra Copa na “Terra do futebol”, por que não tem pra uma educação básica de nível, saúde com dignidade, transporte público decente, segurança efetiva, salários menos constrangedores? Hoje, temos medo de sair e de não voltar com vida. Se tivermos condição, somos obrigados a pagar uma pequena fortuna com convênios médicos e escolas particulares. Engarrafamentos são muito comuns até em cidades pequenas porque muita gente não quer depender de ônibus e metrôs que, além de superlotados, são alvos de criminosos, não respeitam horários, são malconservados, etc.

A polícia, totalmente despreparada, fez o que fez na quinta-feira passada em São Paulo, vocês viram. Por que ela não é truculenta assim com os verdadeiros criminosos, que andam assaltando, matando, estuprando e queimando inocentes por aí? Aliás, esses marginais também são responsáveis por grande parte do vandalismo que manchou a imagem dos protestos (muitos deles, na certa, têm passagem pela polícia, mandados de prisão, e estão aí, soltos).

Isso é somente uma parte do problema. Nem precisa mencionar absurdos como políticos notoriamente corruptos ocupando cargos em Brasília, recebendo salários gordos. Pastores de ideias medievais encabeçando a Comissão de Direitos Humanos e promovendo um retrocesso nesse país tão “próspero”, segundo as autoridades mencionadas lá em cima. Pensando bem, 20 centavos de aumento na passagem para um transporte que não melhora em nada, que apenas piora com o tempo, é mesmo um ótimo estopim para uma revolução.

Ok, os investimentos com Copa não seriam suficientes para fazer o país acabar com todos os problemas em seus serviços (seria necessário o equivalente a umas mil Copas), mas como pensar em festa num lugar onde tem tanta coisa mais séria a ser refletida? Tudo é reflexo de décadas de "jeitinho brasileiro"; tomemos o exemplo dos japoneses que eram muito pobres até a década de 50 e, com muito trabalho e disciplina, conseguiram reverter a situação e em pouco mais de duas décadas após a 2ª Guerra Mundial se transformaram numa das maiores potências econômicas do planeta.

Só espero que o Gigante não volte a dormir e, assim como a “primavera árabe” do ano passado, todas essas manifestações não deem em nada. Vamos ficar de olho.

Fotos: reprodução

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