8 de jan. de 2013

DICA DE FILME: O Baile, de Ettore Scola

Avistamos, inicialmente, globos de espelhos. Em seguida, é apresentado o único cenário do filme: uma espaçosa pista de dança, rodeada por mesas e cadeiras e um balcão de bebidas, uma escadaria ao fundo. Eis que os atores vão surgindo. Primeiro, as mulheres, uma a uma; depois, os homens vêm, formam uma fila e descem os degraus simultaneamente. Todos, ao entrar, dirigem-se ao grande espelho do outro lado do salão para se observar, conferir se o cabelo e a roupa estão nos conformes. Nenhuma palavra é proferida, há somente olhares e gestos.

Não vi todos os filmes do italiano Ettore Scola, mas O Baile é, muito provavelmente, o projeto mais criativo de sua carreira. A ausência total de diálogos confere ao roteiro uma perigosa incursão no mundo da pantomima em plena década de 80, além de uma cuidadosa coreografia musical que realça o enfoque emocional de cada situação. A dramaturgia da fita depende exclusivamente da mise-en-scène, uma tarefa hiperarriscada!

A premissa é traçar uma retrospectiva da sociedade francesa, desde a década de 30 até o final dos anos 70, por meio dos figurinos e da trilha sonora. O elenco é sempre o mesmo, entretanto as músicas e a cenografia encarregam-se de nos ambientar em diferentes períodos históricos. Mais que isso, O Baile escreve uma esplêndida crônica dos relacionamentos humanos ao longo do século 20, tão saturado por mudanças comportamentais. O melindre no primeiro contato dos rapazes com as moças, no período do pré-guerra, dá lugar à exploração banal da sensualidade nos rituais modernos de paquera. Decotes ousados e pernas de fora deixam pra trás os ancestrais vestidos recatados e toda a sorte de acessórios.

Apesar das transformações mais visíveis, Scola deixa patente que o maior objetivo das pessoas é imutável: encontrar um parceiro. E qual melhor ambiente para falar disso do que uma pista de dança? O salão, as músicas e o gestual dos atores se mantêm como elemento figurativo da passagem do tempo, tal como a caricatura dos mais diversos tipos urbanos.

A multiplicidade de ritmos que invade O Baile garante à obra uma postura universal, muito além da história da França. Temos de tudo um pouco: clássicas baladas do começo do século passado, jazz, rumba, tango, rock’n roll, disco dance e até um samba de Ary Barroso. Um pot-pourri e tanto! As músicas deixam de ser apenas um detalhe técnico para se tornar personagens.

A consistência desse trabalho é comprovada pelo notável estudo dos atores unicamente pelas exterioridades, o que converte qualquer fala num item supérfluo. Existe, sim, o pano de fundo histórico — a queda da aristocracia, a invasão nazista, o milagre econômico, as rebeliões estudantis, etc. —, contudo O Baile se fia em especial na ampliação da linguagem cinematográfica, transcendendo as regras básicas da sétima arte, para fazer um panorama psicológico dos personagens pelo uso do corpo e seus movimentos. No balé de Scola, nenhuma palavra é pronunciada, porém muita coisa é dita.

O BAILE (Le Bal, 1983)
Relançamento em DVD pela distribuidora 
Spectra Nova este mês. 
Preço médio: R$ 20

4 comentários:

  1. Pierre:

    Um filme apaixonante e emocionante mesmo, Ettore dá uma aula de cinema neste filme tão delicado e incomum. Excelente indicação aos amigos do Bazar.

    Abraços querido.

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    1. Lembra quando te mostrei esse? Acho interessante como conseguiram resumir a historia de um país sem nenhum diálogo, apenas com músicas e dança.
      :)
      Abraços, Edilson.

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  2. Não conhecia o filme, mas me parece uma obra prima do cinema!
    Sensacional a dica!
    Abraços!

    Senhor do Século | Sorteios

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    1. Se vc curte musicais, corre que esse é ótimo. Um verdadeiro tesouro. Não mencionei aí, mas concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Fora que é assinado por um dos diretores mais aclamados da Itália.
      Abraços, Dimas, obrigado pela visita!

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